Após duas semanas de intensas mobilizações de massas pelo Brasil, já podemos alinhavar alguns pontos de vistas que servem como ensaio sobre as causas, desenvolvimentos e limites deste movimento.

Gênese: Este movimento tem início a partir da convocação do movimento “passe livre”, de São Paulo, contra o aumento da tarifa de ônibus. No curso destas convocações, fundamentalmente pelas redes sociais virtuais, atenderam a este chamado uma massa populacional, ainda não vista, no Brasil, desde o impeachment do presidente Collor em 1992.

Este movimento trouxe às ruas milhões de pessoas que sintetizaram diversos segmentos sociais que expressaram em alto e bom som todo o seu descontentamento.  Jovens entre 16 e 24 anos, assalariados indignados com o aumento da tarifa de ônibus e os péssimos serviços prestados. Segmentos da classe média que vem sendo atingido por uma inflação diferenciada. Estudantes que clamam por melhoria na qualidade do ensino público.

A partir destes segmentos muitas bandeiras foram expressas:  lembravam do padrão FIFA  para os estádios da copa do mundo e pediam o padrão FIFA nos serviços básicos de saúde, educação, segurança e transportes.  Exigiam um  vigoroso combate à corrupção e rejeitavam relação com partidos, políticos. Exigiam um vigoroso combate à corrupção.

Podemos sintetizar assim as bandeiras levantadas de forma dispersa: 1-é um movimento para o funcionamento efetivo dos direitos sociais básicos, expresso nas palavras de ordem por saúde e educação de qualidade.2- É um movimento pelo direito de representação política. Muitos cartazes afirmavam que estes políticos não os representam.3- É um movimento pela transparência nas ações do poder público. Os brados contra a corrupção foram uma constante.

Desenvolvimento: ficou nítida, até o momento, a incapacidade dos convocadores destes atos públicos em aglutinar uma coordenação plural, que venha a expressar os diversos segmentos que vêm participando das mobilizações, assim como não se conseguiu, até agora, sintetizar uma plataforma nacional, estadual e municipal, capaz de produzir uma agenda  de reformas estruturantes, para ser apresentado às diversas esferas de governo e do parlamento, com exigência de respostas urgentes por parte da classe política brasileira.

No curso deste movimento, assistimos a ação de grupos isolados produzindo quebra-quebra de forma organizada. Parece-me que aí temos três tipos de agentes predadores: extremistas à esquerda, sonhando em transformar a revolta em insurgência revolucionária, ao modelo  foquista.  Extremistas  à direita,  sonhando em desmoralizar o governos democráticos, na perspectiva de uma intervenção militar, sob coordenação direitista.  Gangs e quadrilhas organizadas para produzir saques, arrastões e assaltos no decorrer das passeatas. Com a palavra os serviços de inteligência do Estado.

Perspectiva do movimento. Este movimento inaugurou a era das mobilizações cibernéticas.  O povo carente de participação política, atendeu ao chamado de mobilização e, a partir de seus problemas mais sentidos veio às ruas. Este fenômeno deve ser compreendido pelos atores políticos do Estado Democrático de Direito como uma novidade nas ações políticas. Em  poucas horas pode-se disseminar uma convocação pública, com grande possibilidade de produção de movimentos de massas.

Parece-me claro de que esta aquiescência popular, seja participando, seja hipotecando apoio passivo a estas mobilizações, indica claramente que o Estado  não vem funcionando na dimensão municipal. Os recursos de saúde e educação chegam ao município, mas não acontecem, com qualidade, na “ponta” e, em grande parte pelo desvio da corrupção comandada pela classe política local, em conluio com agentes da burocracia e do congresso nacional e ministérios.  Mas, também, em grande parte, pela incompetência gerencial das elites políticas locais.

Indiretamente,  este movimento exige uma reforma política capaz de estabelecer conexão entre cidadão e deputado, entre representante e representado. Este movimento também quer leis duríssimas  contra o crime de colarinho branco, fazendo com que a relação custo/benefício desencoraje as ações patrimonialistas.

Creio que o governo central deva convocar todos os governadores e líderes dos partidos e do congresso para pactuar, com urgência, uma agenda de reformas estruturais, capazes de atender os clamores  populares manifestos nestas mobilizações. A  convocação de uma constituinte exclusiva é urgente para fazer frente  à reforma política e  à reforma tributária.

Deve ocorrer uma ação coordenada entre as principais instituições  do Estado ( parlamentos e governos) e da sociedade civil ( Centrais Sindicais, OAB, CNBB, CONTAG, UNE,  etc) com objetivo de pactuar uma plataforma mínima de ações que visem a melhoria imediata dos serviços públicos de saúde, educação e segurança.

Ou os governos e as lideranças parlamentares e da sociedade civil tomam estas medidas, ou tudo cairá no esquecimento imediato e daqui a pouco, quando surgir novo levante, não sei se os extremistas não terão sucesso na condução deste povo à ações espetaculosas, capazes de fazer o  Brasil voltar aos tempos de inauguração da República, quando vivemos  quase dez anos sob o signo dos estados de emergência e de sítio.

Tenho dito.

 

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