Resolvi fazer esta reflexão depois de ver um conjunto de diálogo nas redes sociais que buscavam demonizar as alianças políticas, e desqualificar o debate pela questão ético-moral. O meu objetivo neste texto é fazer um rápido balanço da governabilidade no Brasil e os limites dos programas partidários no contexto de um presidencialismo de coalizão, como é o caso brasileiro.
Antes de iniciar minha análise devo dizer que é uma questão prescricionista para todo agente político ou social que nosso país chegue ao nível da Finlândia em torno do controle da corrupção e ao mesmo tempo chegue à maturidade democrática ao nível das democracias centenárias como a americana e a inglesa.
Portanto, espero nas próximas décadas que a conjunção de diversos fatores como: código penal duríssimo contra a corrupção e o peculato, transparência pública, controle social, desenvolvimento econômico e social de base estadual e municipal, distribuição de renda em escala equitativa, acompanhada de uma revolução na educação e na ciência e tecnologia venham a transformar nosso país num lugar perfeito para se nascer, viver e morrer.
Mas vamos discutir a relação entre o sistema político, governabilidade parlamentar e a relação entre o programa partidário e os programas dos governos de coalizão no Brasil. Este debate visa dar um choque de realismo político em quem gosta de debater com argumentos os grandes temas nacionais e estaduais.
Nenhum partido presidencial conseguiu até hoje chegar a 20% de assentos parlamentares na câmara dos deputados, e dificilmente chegará a este percentual de representação, neste quadro de atomização partidária brasileira, que dos 30 partidos legalizados conta com pelo menos oito com peso congressual.
Todos os presidentes buscam construir uma coalizão com poder de mudança constitucional ou seja, tem em sua base pelo menos 400 parlamentares. Nenhum governo fica apenas no limite de 308 deputados que são os três quintos necessários à mudança constitucional, todos querem ter uma “folga” para não terem surpresas indesejadas nos grandes temas de interesse do governo. Esta mesma dinâmica deve ser imaginada para a lógica do funcionamento dos subsistemas políticos estaduais.
Pois bem, mesmo que um governo ganhe uma eleição, digamos em aliança com 8 partidos, dificilmente chegaria à maioria constitucional com a folga estratégica necessária do número de deputados em sua base parlamentar. Assim sendo, normalmente a coalizão eleitoral é ampliada no momento de montagem de governo, ou seja, na coalizão de governo entram partidos de todas as matizes ideológicas, inclusive, àqueles que disputaram aquela eleição em outras coalizões eleitorais.
Em síntese, o sistema política brasileiro transforma programa partidário de conteúdo popular em programa de centro. Ou seja, o lobo é transformado em coelhinho. E parece que esta realidade vem se mostrando inescapável no Brasil. Ninguém ousa governar com minoria no parlamento, sob pena de ver seus projetos reprovados no parlamento, e vir a correr sério risco de retaliação política pelas oposições mais sectárias. Inclusive com risco e cassações e impeachment.
Não cabe no escopo desta breve análise refletir sobre os limites do presidencialismo de coalizão no contexto da desigualdade social brasileira e a incapacidade dos governos em produzirem reformas na dimensão que a maioria da sociedade espera e precisa.
Mas voltando à temática da relação entre sistema político e a lógica partidária no parlamento, devo dizer que qualquer discurso que brade contra as amplas coalizões está sendo pouco objetivo frente à lógica do sistema político brasileiro. Não tem escapatória: ou tem maioria parlamentar ou não governa.
O discurso anticoligação pode servir para as disputas intrapartidárias mas não tem validade para o cotidiano do funcionamento dos governos partidários. Caso o discurso fosse mais qualificado e a luta contra as coligações ao centro fosse justificado pela tática eleitoral, eu consideraria este argumento válido. Não, o discurso contra as coligações, normalmente vem revestido de um discurso quase religioso, onde a desqualificação ética e moral dos partidos que podem coligar é a tônica central. Este debate é travado principalmente pelos grupos mais à esquerda dentro do PT.
É bom reafirmar que os partidos que governam no Brasil, seja em nível municipal, estadual ou federal, todos já perderam a pureza republicana há muito tempo. Isso não foi o desejável, mas aconteceu. Acho estranho os pequenos grupos do PT estarem chamando o PMDB de corrupto. É no mínimo esdrúxulo, quando estes mesmo grupos saíram “tisnados” quando governaram recentemente o Rio Grande do Sul e o Pará.
Não estou defendendo os partidos e personalidades com história de corrupção. Estou dizendo que se este discurso fosse sincero, não sobraria nenhum partido governante no espectro político brasileiro. Creio que as histórias recentes do escândalo dos anões do orçamento, o impeachment de Collor, os mensalões do DEM, PSDB e PT, deveriam ser usados para que este tipo de comportamento fosse banido por dentro dos partidos políticos.
E para finalizar, creio que o sistema político brasileiro tem altos e baixos. Os pontos altos se configuram na desradicalização do sistema político nos rincões brasileiros, produzindo altas doses de tolerância entre os grupos políticos em disputa, onde normalmente, estes grupos políticos nos municípios com menos de duzentos mil eleitores, já organizam as coligações a partir do primeiro turno.
O ponto negativo é que o sistema político brasileiro conduz ao centrismo programático da coalizão, impedindo que os governos populares produzam reformas na profundidade que exige a sociedade brasileira, na busca da equidade social. Um partido autêntico quer ganhar eleição e governar. E no Brasil, para o bem ou para o mal, só se ganha e governa com amplas coalizões....tenho dito. O resto é...o resto.