Esta semana a maior parte do país ficou frustrada com o acolhimento pelo Supremo Tribunal Federal-STF do embargo de infringência em favor dos réus do mensalão que tinham obtido pelo menos quatro votos favoráveis.
O que é o embargo infringente?
O artigo 530 da lei número 5.869 de 11 de janeiro de 1.9731 (atual Código de Processo Civil) aduz que:
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Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.
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— Artigo 530 do CPC1
Na esfera penal, caberão embargos infringentes, conforme o artigo 609 do Código de Processo Penal, quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu2 . É, portanto, um recurso que somente pode ser impetrado pelo acusado. Frisa-se ainda que:
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Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.
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— Parágrafo único do artigo 609 do CPP1
Não é contra qualquer acordão que cabem embargos infringentes, mas apenas contra aqueles proferidos no julgamento de apelação ou ação rescisória.
A população e em especial os opositores ao governo petista vem, nas redes sociais, assacando contra o STF, e em especial contra os seis ministros que garantiram este recurso aos réus do mensalão. As acusações são todas dotadas de excessiva paixão. Todos querem ver os réus condenados e atrás das grades.
Que a população esteja, sinceramente, querendo ver os condenados de colarinho branco na prisão, me parece um sentimento autêntico. Mas quando vejo membros das elites políticas oposicionistas bradando pelo sangue de políticos da situação, nada me parece mais falso. Afinal, qual dos partidos importantes do sistema político brasileiro pode atirar a primeira pedra? Nada me parece mais hipócrita e eleitoreiro.
Mais vamos ao debate de fundo.
Uma conquista universal da humanidade aconteceu no ocidente, quando os filósofos iluministas começaram a desenhar o embrião das instituições políticas democráticas e do Estado de Direito, como síntese da prevalência das instituições sobre o arbítrio unilateral do governante, aliás como ocorria desde os tempos antigos, e até as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, na Inglaterra, França e Estados Unidos.
Como estas invenções institucionais ocorreram no curso da queda dos Estados absolutistas na Europa e da emergência das revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX, sob o comando da burguesia, o pensamento socialista começou a associar estas invenções civilizatórias, como de conteúdo burguês. Assim, a burguesia foi elogiada pelos marxistas, ao receber os créditos por toda a produção intelectual dos iluministas libertários como John Locke, Charles Montesquieu, Alexis Tocquevile, Jean Jacques Rousseau, e assim por diante.
Na verdade estes pensadores estavam inventando o Estado de Direito Democrático, que sintetizou: a despersonalização do Poder de Estado, a separação do Estado em três ramos, e a criação dos direitos negativos, ou primeira geração de direitos, mais conhecidos como direitos civis, que protegem o cidadão e a sociedade do arbítrio de governantes, como vinha ocorrendo, desde sempre, no planeta.
Quando se busca resultados rápidos e objetivos em julgamento, “conspira-se” contra o direito a mais ampla defesa por parte dos réus. Os princípios da liberdade correm perigo e o populismo jurídico e político encontram terrenos férteis para expansão.
O embargo infringente está previsto nas regras internas que organizam as ações do STF. “Todo reú” que alcançar quatro votos na corte tem direito ao embargo infringente que garante um novo julgamento.
Esta regra de conduta já está consagrada na rotina do STF. Seria casuísmo desprezá-la agora por razões de pressão popular. A decisão do STF se basearia em princípios políticos e não jurídicos. E o que mais preocupa, é que, mesmo o ministro Celso de Melo, mesmo tendo garantido a priori, em parecer, este direitos aos réus, sofreu forte pressão para que este mecanismo de defesa fosse desprezado, casuisticamente.
O golpe de Napoleão terceiro na França, nos ensina que jamais devemos abrir mãos de prerrogativas que garantam a ampla defesa de pessoas e instituições contra o arbítrio de governantes de perfil personalista e demagógico.
Portanto, hipoteco meu apoio à maioria do STF que não abriu mão de uma conduta procedimental que garante ampla defesa aos réus, haja vista, que o supremo é a última instância recursal na matéria em questão. Quanto aos réus do mensalão: “que respondam judicialmente pelos erros por ventura cometidos”, mas que sejam tratados de acordo com os princípios do Estado democrático de Direito.