Minha primeira entrância nos movimentos sociais foi aos 13 anos no centro cívico de minha escola ginasial. Nesta época estávamos em 1973, Médice extinguia pela força os movimentos armados de contestação à Ditadura. Portanto, nosso movimento estava longe de ser politizado. Quem fizesse política naquela época, morria.
Com minha entrada na UFPA, conheci o movimento estudantil politizado, contestatório e que vinha no embalo das greves de 1977 e na reorganização da UNE em 1979. Tornei-me rapidamente marxista leninista, sonhava com a redemocratização e com a revolução socialista. Era estatista até os dentes. Tinha horror ao mercado e à iniciativa privada.
A partir de 1988, abandonei as perspectivas marxistas leninistas e o comunismo. Tinha conhecido teoricamente e historicamente os Estados socialistas do leste europeu. Não queria defender um modelo de sociedade com apenas Estado de Fato. Naquela época já defendia um modelo de Estado de Direito Democrático.
Já entendia a democracia, o Estado de Direito Democrático, a separação e autonomia constitucional dos poderes, como conquista civilizatória da humanidade. Não confundia democracia, Estado de Direito como sinônimo de legado burguês. Não, os intelectuais iluministas são patrimônio de toda civilização ocidental.
Assim virei um socialista humanista e não marxista. Enfrentei enormes debates no interior do PT. Liderei a construção da Nova Esquerda no Pará, corrente que foi taxada de direita por defender que o PT se integrasse às regras do jogo democrático, se abrisse às coligações partidárias e que buscasse alianças ao centro para a conquista de governos federal e estaduais. Esta política afinal venceu no PT a partir da década de 1990.
Como ativista sindical do setor público estava profundamente comprometido com o corporativismo, afinal, o papel do sindicato é defender a parte. Sindicato que perde a perspectiva corporativa desaparece. Assim comecei a me sentir incomodado com o movimento sindical.
Mesmo atuando nas direções estadual e municipal do PT em Belém, ainda velhas convicções me acompanhavam: horror ao controle externo dos serviços públicos, uma espécie de idolatria à gestão estatal dos serviços públicos básicos, horror às privatizações, de qualquer natureza, e assim por diante: ainda era um estatista empedernido.
Resolvi estudar ciência política na década de 1990. Mestrei-me e doutorei-me nesta área de conhecimento. Estudei toda a formação do Brasil, conhecendo as principais vertentes teóricas. Virei especialista em sistemas partidários e eleitorais. Conheci a trajetória do Welfare State europeu, especialmente a sua decadência nos inícios da década de 1980.
Da mesma maneira que tinha abandonado as velhas convicções leninistas e marxistas, passei a enxergar o Estado e sua relação com a sociedade de forma diferente. Não via os serviços públicos, a pesar de contar com recursos substanciais, funcionando minimamente, especialmente na esfera municipal do Estado brasileiro.
Parece que como, Raul Seixas, passei a ser uma metamorfose ambulante. Porém, meu compromisso com políticas públicas redistributivas permanecem: a equidade ainda é a maior bandeira a ser buscada no Brasil. Mas me desliguei das formações partidárias. Em nosso país, partido não passa de agências que mobilizam para eleições, são ponte para acesso ao Estado e recrutadores de novas elites políticas. Nada mais do que isso.
Enganam-se aqueles que acham que podem encontrar grandes diferenças nas formações partidárias brasileiras. O PSDB que foi liberal nos governos de FHC, não precisa sê-lo mais, o Brasil foi saneado economicamente. O PT nunca precisou sanear o Estado brasileiro, onde teve chance não o fez, como no Rio Grande do Sul.Mas o PT cultua o selo social, sem deixar de ser liberal na economia. O que é bom.
O PMDB é um grande partido centrista e congressista, joga tanto à direita como à esquerda. A terceira revolução científica e a globalização estão fundando a sociedade em rede. Os velhos paradigmas precisam ser superados. A idolatrada classe operária do “manifesto” se transformou num pequeno segmento, intelectualizado e aristocratizado.
Hoje vivemos na sociedade de serviços, a sociedade industrial e proletária, no sentido marxista, não mais existe, a agenda pública é outra. A internet e as redes sociais assumiram funções que antes eram dos partidos e dos sindicatos. Enfim, para o desespero daqueles que ainda adoram “o manifesto” e o” programa de transição”, tenho um aviso: este mundo ruiu.
Com a queda do muro de Berlin, acabou a guerra leste-oeste. Não existe mais combustível ideológico para organizar e mobilizar a juventude e os trabalhadores. O socialismo como objetivo estratégico foi abandonado pelos movimentos sociais em escala nacional e global.
Agora, sem projeto ideológico de apelo popular, só resta reinventar novas formas de organização e participação. Hoje as mobilizações sociais buscam respostas imediatas e objetivas. Hoje a sociedade exige: serviços públicos de saúde, educação, segurança e transporte que funcionem de fato.
Não adianta tergiversar: O Estado brasileiro, mais do que governos, deve reinventar novas formas de fazer os serviços públicos acontecerem no espaço municipal. Mas como? Se a corrupção, a prevaricação, o descompromisso são as marcas registradas de nossas elites locais?
Agora começo a relatar minhas perspectivas sobre o funcionamento do Estado brasileiro. Faliu a administração direta dos serviços públicos básicos. Não existe compromisso doutrinário dos funcionários públicos com a função pública. Os servidores públicos concursados se apossaram dos cargos públicos e o privatizaram.
Não existe nenhum tipo de política pública em curso que enfrente o problema da ineficiência e da ineficácia dos serviços públicos e saúde, educação, segurança, saneamento, trânsito e assim por diante. Enfim, Há uma ausência de gestão weberiana à frente do Estado brasileiro, principalmente em sua dimensão municipal.
Com base neste breve diagnóstico comecei a construir uma nova forma de percepção do papel do Estado na sociedade brasileira. Primeiro é preciso reconhecer que a sociedade brasileira é muito grande e que o Estado não pode servir de panaceia para todos os males societais.
Neste contexto de uma sociedade gigante, cabe ao Estado um papel essencial de liderança em relação a um planejamento estratégico de longo alcance. Este papel planejador, deve ser inserido uma revolução na gestão dos serviços públicos em níveis local, regional e nacional.
Este novo Estado, deve ser essencialmente, planejador, regulador e indutor do desenvolvimento econômico. Cabe à sociedade criar novas oportunidades de emprego. A parceria com o terceiro setor é essencial para aumentar a capilaridade estatal em direção à camadas e grupos sociais periféricos.
O Estado deve repensar mecanismo das gestões locais em saúde, educação e segurança. A construção de indicadores de desempenho é essencial. É preciso agregarmos mecanismos de mercado para “medir” o desempenho social de nossas políticas públicas. Assim o fez a Inglaterra para otimizar as instituições do Walfere state inglês.
É preciso criar o governo eletrônico para que o gestor acompanhe diariamente o desempeno de nossas políticas públicas. É preciso sabermos a hora que o médico chega na unidade básica de saúde, quantos atende, a qualidade deste atendimento. O povo brasileiro quer respostas objetivas.
As manifestações de junho de 2013 mostraram que a população brasileira exige serviços públicos de qualidade. A era dos extremismos políticos e ideológicos foi superada. A intolerância com a corrupção e com os maus políticos está no centro da agenda pública. A excelência nos serviços públicos é exigida.
O velho estatismo de esquerda, apesar de apregoada por partidos e militantes de esquerda, não mais se sustenta. O que se quer agora, é eficácia e eficiência nos serviços públicos. Não existe preconceito nem com o mercado e nem com o estatal. O estatal como sinônimo do bem e o mercado como sinônimo do mal foi superado. Esta dicotomia animava os debates aos tempos da guerra fria.
Agora, o que se exige são resultados objetivos de governos. Quem fugir desta realidade cairá na vala comum do populismo e da hipocrisia.
Tenho dito.