Definitivamente podemos afirmar que ainda não temos partidos  autenticamente republicanos no Brasil.  Esta afirmação advém da frouxidão com que  estas organizações políticas  recrutam seus membros. Na verdade, seriam os partidos, como selecionadores e formadores de futuras elites políticas que deveriam, não só recrutar novos membros, mas buscar socializá-los dentro dos preceitos de que o Estado  é  res pública ou coisa pública, através da formação continuada e do exercício de um rígido estatuto contra a corrupção e o peculato.

Nossa desventura antirrepublicana, segundo “MURILO DE CARVALHO”, começa por volta de 1837 quando, efetivamente, nascem os partidos conservador  e liberal no Brasil. Estes partidos agrupavam dois grupos políticos oligárquicos e a divergência central era se o Estado seria centralizado ou descentralizado politicamente.

Estes partidos imperiais mantinham relações tipicamente clientelística com os governos e, em vez de pensarem o Brasil e suas províncias, pensavam em como conseguir  recursos públicos para atender demandas privadas de suas bases pelo interior do País. Em síntese, estes partidos incorporaram membros dos clãs parentais da sociedade para interagirem com os Estados.

Neste momento, segundo “CARVALHO FRANCO,  a população brasileira estava em plena gênese. A miscigenação produzia uma classe de brancos-pardos, pobres e livres que viviam na  dependência, como colonos, agregados, “protegidos” e a serviço do grande latifúndio. A produção da riqueza era executada pelos escravos.

Os colonos agregados interagiam com os latifundiários através da roça, do fiado e da obediência cega. O sistema político parlamentarista era materializado pelo imperador, que escolhia o Primeiro Ministro,  depois,  o parlamento acatava e “providenciava”  eleições de carta marcada e operacionada pelo voto de cabresto.

No Brasil da Primeira República  tínhamos, efetivamente,  os partidos únicos de cada Província. A comissão de Verificação de Poderes, só permitia que se elegesse deputado que escrevesse na cartilha do governador e do presidente. Os Presidentes da República Velha elegeram todos os seus sucessores. Não havia competição fundada na participação popular. A competição era intra-oligárquica. Só votavam 1%  da população.

Os primeiros anos da Revolução de 1930 foram de paralisia política, devida à intestina luta dos grupos políticos pelo controle do governo. A população estava fora deste jogo político. Mesmo a Revolução Constitucionalista de 1932 e a Constituinte de 1933, não deixaram de ser um jogo entre os grupos oligárquicos.

Entre 1937, surge o Estado Novo, como síntese da ideia de que o Brasil não poderia superar o controle oligárquico estadual do voto através daquela democracia liberal de fachada. Assim tivemos entre 1937 e 1945 a Ditadura do Estado Novo, que  iniciou a construção do Brasil Moderno, através da política de industrialização substitutiva de importação, deu a resposta à crise do crash da Bolsa de Nova York, e à implosão da economia brasileira baseada na agricultura de exportação. Um latifundiário, chamado Getúlio Vargas inaugura o ciclo industrializador do Brasil, que só se finalizaria por volta de 1988.

Em 1946 é inaugurada a Primeira República com participação popular no Brasil. Neste momento temos 16% da população votando. Legalizam-se partidos com legítimas aspirações populares como o PCB de Prestes, o PSP de Ademar de Barros e o PTB, com influência de Vargas, mas assentado nos sindicatos urbanos.

Esta república  emergiu condenada porque nasceu durante a guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. Neste momento o povo urbano e rural chegaram às ruas exigindo direitos sociais. Mas neste momento, passeatas, greves e ocupações eram visto pelos EUA como sinônimo de comunismo e socialismo. Assim esta república com 18 anos de existência foi sepultada em 1964. Neste momento 22% da população votavam.

A população até este momento, ainda mantinha relação tipicamente clientelística com a classe política. Os partidos políticos, nascidos a partir do Estado, PSD e PTB, associados à UDN, que foi construída a partir dos grandes comerciantes urbanos, nada tinham de compromisso republicano. Os recursos públicos pouco chegavam às periferias das grandes cidades e aos interiores de nosso país. No norte e nordeste, a troca pragmática do voto, e o controle do voto pelo cabresto, ainda foram uma realidade até os anos de 1970. Tanto a Ditadura Vargas como a Ditadura Militar jamais importunaram o latifúndio.

Com a redemocratização em 1985 e a nova constituição de 1988 inaugurou-se a Segunda República com participação popular do Brasil.  Com as amplas liberdades políticas vieram à tona, as notícias sobre a promiscuidade entre Empreendedores, Políticos e a alta tecnocracia do Estado brasileiro. Hoje, apesar de nosso Estado Nacional estar mais publicizado e controlado, mesmo assim, ainda temos alto índice de desvio de recursos públicos, em direção aos caixas 2 e em direção aos bolsos particulares.

Segundo estimativa mais otimista, nunca o Estado republicano perde menos de 40 bilhões de reais/ano para a praga da corrupção e o peculato. Periodicamente assistimos escândalos envolvendo desvio de recursos públicos. Porém, os partidos deixam ao Ministério Público, à Polícia Federal, à ABIN e à imprensa a tarefa de lutar contra este mal público.

Em síntese, os partidos políticos não tomam nenhuma atitude de curto ou de longo prazo contra candidatos e políticos corruptos. Os partidos deveriam fazer rígido controle de pessoas que se candidatassem a cargos públicos, fossem eles eletivos ou comissionados. Os partidos deveriam combater vigorosamente os políticos com mandato que estivessem envolvidos em falcatruas.

Mas nosso partidos  são organizações de pessoa jurídica privada e seus mecanismos de controle interno são desenhados pela própria cúpula partidária, no momento de sua fundação. Assim, normalmente, quem tem acesso aos recursos de poder são os chefes partidários, e são eles que normalmente comandam os acordos  antirrepublicanos dentro do legislativo, do executivo e da alta tecnocracia na esfera nacional, estadual e municipal.

Nossos partidos, atavicamente, continuam  a ser ferramentas de interesses, mais privados do que públicos. A complacência com a corrupção é um fato, pois começa de cima para baixo. Dentro destes partidos todos sabem de tudo.  O militante sabe do rabo sujo do chefe ou líder que lhes servem de exemplo. Assim nossos partidos assumem quase o perfil de grupos mafiosos.

Somado à gênese patrimonialista de nossos partidos políticos, ainda temos o sistema político que induz à corrupção através do desenho do sistema eleitoral e partidário. O voto proporcional em lista aberta, a permissividade para a criação de novos partidos, o fundo partidário, o horário na TV e o financiamento  privado de campanha,  compõem um sistema que induz o pragmatismo e a corrupção.

A equação é simples. Quem tem mais recursos financeiros tem mais chance de se eleger. Os empresários financiam candidatos ao executivo e ao legislativo com maior chance de vitória. Como empresário não vive de filantropia, o eleito está obrigado a devolver estes recursos em forma de obras, convênios e emendas parlamentares. As licitações fraudulentas são uma necessidade extrema para que o político pague seu débito com os financiadores.

Dentro deste sistema de toma lá, dá cá, é necessário uma complexa rede de corrupção que envolve  políticos, funcionários públicos, secretários de  governo, Ministros e empresários. O resultado  é que bilhões de reais são perdido dentro deste complexa e tortuosa engenharia de um crime que é induzido pelo próprio desenho institucional do sistema político brasileiro.

Políticos sérios, partidos que nascem com boas intenções ficam num dilema permanente: ou entram no sistema ou não terão chances de disputar, em igualdade de condições, os poderes executivos e legislativos. Por certo deve ter honrosas exceções, mas a regra é que todos são engolidos pelo modelo institucional brasileiro.

Deve-se ressaltar que onde existe corrupção há corruptores e corrompidos. Em sociedades desiguais e pobres, são o lócus ideais para que propostas indecentes, como aquelas corruptas, tenham grande oportunidade de florescer. A compra do voto, descarado ou disfarçada, só é possível quando  parte da população está fragilizada economicamente. A ética e a moral só podem florescer se existirem  bases econômicas e sociais para servirem de alicerce.

Portanto, SOMENTE UMA REFORMA POLÍTICA QUE CONTEMPLE: MAIOR RIGIDEZ À CRIAÇÃO DE NOVOS PARTIDOS. FIM DAS COLIGAÇÕES EM ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA. SISTEMA  ELEITORAL PROPORCIONAL DE LISTA FECHADA. CONTROLE EXTERNO DO FUNCIONAMENTO PARTIDÁRIO PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO DOS FILIADOS ATRAVÉS DE PRÉVIAS NAS ESCOLHAS DE CANDIDATURAS MAJORITÁRIAS E PROPORCIONAIS, poderiam aumentar a racionalidade de nosso sistema eleitoral e partidário,  e contribuir para que a república vire um fazer cotidiano e seja incorporada à cultura política nacional.

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