A falsa neutralidade da OAB/PA em face da independência do TJD no Pará.

Diz um antigo adágio escocês que “quem paga o gaiteiro escolhe a música.” De fato, o entendimento do senso comum é o de que quem paga os custos de qualquer empreendimento ou ação humana – seja a música do gaiteiro escocês, sejam os custos de manutenção de uma instituição -, acaba por impor a sua vontade. O ditado escocês aplica-se à perfeição ao que sucede hoje com o Tribunal de Justiça Desportiva – TJD – no Estado do Pará, uma vez que a sede do tribunal funciona no prédio da Federação Paraense de Futebol - FPF, assim como os custos de sua manutenção e o salário de suas duas empregadas são pagos diretamente pela FPF. A dependência é tão avassaladora que o TJD/PA não dispõe nem mesmo de uma conta bancária aberta em nome da instituição.

No dia 17.08.2010, um acordo celebrado no Ministério Público Estadual, na sede Promotoria do Consumidor, propôs mudar essa trajetória dependente do Judiciário Desportivo no Pará em relação à poderosa FPF. Pelo referido acordo, o presidente da Federação Paraense de Futebol aquiesceu com a transferência da sede do tribunal para outro lugar, assim como o pagamento das despesas de manutenção e dos salários dos empregados sairão de uma rubrica do orçamento da instituição organizadora do futebol paraense. Os termos do acordo foram claramente inspirados no desenho institucional do Superior de Tribunal de Justiça Desportiva – STJD – com sede no Rio de Janeiro, que dispõe de sede própria, receita própria oriunda de uma rubrica do orçamento da Confederação Brasileira de Futebol – CBF e possui 7 (sete) empregados pagos diretamente pelo tribunal. Outro ponto relevante do acordo é que as próximas eleições para o Tribunal Pleno do TJD/PA serão fiscalizadas pelo Ministério Público Estadual, uma garantia de que o processo de escolha dos novos auditores respeitará os princípios da legalidade e da transparência contidos no Estatuto do Torcedor.

No entanto, quando tomou conhecimento do acordo, a maioria do Tribunal Pleno do TJD/PA se sublevou contra os seus termos acima descritos e, de imediato, decidiu, vencido o voto do ora signatário, que uma comissão de auditores fosse ter com o presidente da OAB/PA, Jarbas Vasconcelos, que, antes simpático à autonomia efetiva, e não aparente, do Judiciário Desportivo no Pará, recuou para declarar-se neutro em face da verdadeira crise institucional instaurada.

A neutralidade do presidente da OAB/PA apresenta-se, na verdade, como um apoio explícito aos que se opõem à autonomia efetiva do TJD/PA; trata-se, pois, de uma falsa neutralidade que agride, inclusive, o Estatuto do Torcedor que determina a plena independência do tribunal como direito do torcedor, conforme deflui do art. 34 da Lei Federal nº 10.671/2003.

Em carta que o autor endereçou à Presidência da OAB/PA em 17.12.2010, e até agora não respondida, foram indicadas as razões da falsa neutralidade; a mais evidente reside no fato de que os dois representantes no Tribunal Pleno do TJD/PA colocaram-se claramente contra o acordo e, se o presidente Jarbas Vasconcelos declara-se neutro, abona, por óbvio, o posicionamento esposado pelos auditores indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará. Trata-se de uma posição vergonhosa e insustentável não somente porque colide com normas expressas do Estatuto do Torcedor, cujo bem último a ser protegido são os interesses do torcedor (e não os da FPF, como alguns parecem crer), mas também porque tal atitude afeta a trajetória histórico-institucional de lutas da OAB em prol da conquista, consolidação e ampliação do Estado de Direito em nosso país.

A neutralidade do presidente da OAB/PA colide, demais disso, com a posição assumida, até aqui, pela Comissão de Direito Desportivo da própria Seccional, que já se manifestou inequivocamente em favor da conquista da efetiva autonomia do TJD/PA. Essa ambivalência de posicionamentos dentro da mesma instituição não pode perdurar indefinidamente sem causar graves fissuras institucionais, além de sinalizar para o torcedor paraense mensagens contraditórias acerca de um tema público tão relevante para o desporto e para a paz nos estádios.
Portanto, outro caminho não resta à Presidência da OAB, Seção do Pará, senão rever imediatamente sua posição de absurda neutralidade, porquanto beneficia os adversários da autonomia efetiva do Judiciário Desportivo no Pará, devendo determinar aos seus dois representantes que passem a defender publicamente a causa da autonomia do TJD/PA, bem como deve promover audiência pública para este fim, convocando todos os atores desportivos relevantes para debater o novo desenho institucional do tribunal, dentre outras medidas.

Se permanecer neutra como hoje se encontra, a presidência da OAB/PA agirá contra o Estatuto do Torcedor respondendo pelos efeitos deletérios acima apontados e, acima de tudo, demonstrará que acredita que o gaiteiro escocês escolhe as músicas que toca e não as que são determinadas por quem lhe paga o soldo.

André Silva de Oliveira
Auditor e ex-Presidente do TJD/PA

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