O escândalo da Petrobrás se constituiu no epicentro das relações patrimonialistas que envolvem os partidos políticos, a alta tecnocracia e as grandes empresas brasileiras.
Sabia-se, como hipótese, que o Estado brasileiro ainda continuava capturado por corporações empresariais em aliança com parte da classe política, mas não se tinha dimensão deste nível de coordenação criminosa.
Para a desgraça da esquerda e dos socialistas de uma maneira geral, foi o PT, na condução do governo federal que veio a se constituir em prova viva, de forma consistente, que de fato esta hipótese é uma realidade insofismável. E a desgraça maior é que todo um patrimônio popular de expansão da inclusão social conquistado entre 2003 e 2014 anos, está em véspera de descer por ladeira abaixo.
Para quem estuda a política nacional a partir da independência política de 1822 chega a óbvia conclusão de que o Estado nacional brasileiro foi capturado desde o Império até à República Velha de forma total pelas oligarquias agrárias. Hoje sabe-se que entre 1930 até os dias atuais as elites industriais e financeiras assumiram o lugar do latifúndio na expropriação da fazenda nacional em desfavor do povo pobre deste País.
É verdade que a implantação do parque industrial brasileiro, o aumento do Produto Interno Bruto-PIB e a expansão do mercado interno acabou por incorporar grandes parcelas da classe trabalhadora ao mercado de trabalhou e melhorou as condições de vida de milhões de brasileiros, dando formato ao Brasil atual.
Quem acompanha a política nacional tem clareza que a expropriação da fazenda pública era muito maior em períodos de governos oligárquicos e ditatoriais, haja vista que inexistia amplas liberdades políticas, incluindo a de imprensa. No período do Império e da República Velha, os recursos desapareciam no caminho entre o governo central e os governos estaduais, quase nenhum recurso chegava à municipalidade.
Havia um mito de que a corrupção no Brasil atingia algo em torno de 2% do PIB ou 100 bilhões/ano, hoje conjectura-se que se o episódio criminoso que ocorreu na Petrobrás vem se estendendo para outras empresas estatais e ministérios, Estados e municípios chegaremos a cifras inimagináveis do tipo, 10% do PIB, ou quinhentos bilhões/ano, perdidos para a corrupção política/empresarial.
Esta narrativa, em torno da promiscuidade entre empresariado, tecnocracia e políticos se configura como uma ação criminosa coordenada e de enorme complexidade, e esta é uma realidade que parece inquestionável. Logicamente que todos os grandes partidos brasileiros estão envolvidos nestes esquemas, porém o que assusta quem luta ou lutou por um novo Brasil republicano e democrático, é que as forças renovadoras que nasceram no movimento operário do início do século XX e se ampliaram a partir da República de 1946, estejam diretamente vinculadas e participando de parte do comando destes eventos criminosos.
No mundo acadêmicos e intelectual assistimos uma perplexidade, e o que é pior, grande parte da intelectualidade republicana e de esquerda centra suas análises no fim das conquistas sociais e secundariza, poderosamente os eventos que desencadearam a queda da presidente Dilma e da derrota histórica do PT nas eleições de 2016 no Brasil. Possivelmente o alcance desta derrota será minorada pela incapacidade intelectual e política dos estrategistas do governo Temer e seus aliados na gestão do governo brasileiro.
Não temos dúvida em afirmar de que os erros na equipe econômica da presidente Dilma, a partir da metade do seu primeiro governo, em relação ao equilíbrio das contas públicas, combinados com a decisão irresponsável de ampliar estes gastos para fins eleitorais em 2014, vieram a comprometer as relações entre receitas e despesas no Brasil, gerando desemprego e estagflação, tendo como subproduto a redução da popularidade da presidente a níveis abaixo de dois dígitos no início de 2015.
Neste contexto entrou em campo a grande mídia liberal que divulgou e amplificou a percepção popular em torno do estelionato eleitoral cometido pela presidente Dilma, poucos dias após sua vitória eleitoral: reforma da previdência, reforma trabalhista e arrocho salarial, que atingiam diretamente o funcionalismo foram medidas que se colocaram totalmente em confronto com o discurso de campanha, deixando irritado toda a classe trabalhadora, especialmente este segmento, que sempre foi base de apoio às políticas do governo federal, desde 2003.
As pesquisas em ciência política já demonstraram que a popularidade do governo é diretamente proporcional ao desempenho das políticas econômicas, e no presidencialismo esta correlação parece muito mais evidente. Pois bem, esta hipótese mais uma vez se confirmou, porém a entrada em cena da operação Lava Jato produziu a combinação perfeita para minar, de forma implacável a credibilidade da presidente Dilma.
É certo que a combinação da aguda crise econômica, operação Lava Jato, ação da grande mídia e a entrada em campo de milhões de brasileiros indignados com os escândalos de corrupção vieram a fazer parte dos fatores que contaminaram a base congressual da presidente e sua subsequente derrubada.
Por certo, os opositores ao governo da coalizão dirigida pelo PT aproveitaram esta ocasião e impulsionaram dentro do congresso e nos meios de comunicação o movimento rumo à derrocada da presidente da república. Esta estratégia passou pela aliança descarada com a TV Globo, que transmitia todas as manifestações AO VIVO e produzia jornalismo diário pedindo a saída da presidente da república. Assim como, a oposição veio a contar com o apoio decisivo do PMDB para consagrar a conspiração golpista que levou à queda da presidente.
Ao final das contas, Dilma Roussef foi removida da presidência da república como se estivéssemos num sistema de governo parlamentarista, ou seja, removeu-se o governo porque a combinação de indignação popular e fissura na base parlamentar da presidente assim o determinou.
É inimaginável, em qualquer democracia presidencialista do mundo remover um presidente porque cometeu “pedaladas fiscais”. Está correta concluir que a presidente da república sofreu um golpe político e institucional, pois a constituição federal recebeu uma interpretação casuísta para que a remoção da presidente fosse justificada do ponto de vista legal, pelo menos grande parte de respeitáveis juristas brasileiros, assim concluíram.
Mas voltando ao objeto deste texto, quando vamos analisar o discurso e as análises dos intelectuais republicanos e de esquerda, assistimos à uma minimização do papel da corrupção nos eventos que propiciaram as condições para que o golpe institucional viesse a se materializar. Muito menos assistimos um ajuste de contas com a parcela da direção petista patrimonialistas que participou diretamente dos assaltos aos cofres públicos.
Por causa deste comportamento dos analistas comprometidos com a construção de um Brasil mais justo e radicalmente democrático e que defendem um Estado social, é que a bandeira do combate à corrupção está nas mãos de segmentos direitistas e em grande parte antidemocrático.
É verdade que no período em que as forças sociais começam a republicanizar o Brasil, especialmente a partir de 1946, o discurso moralista foi a base do discurso direitista e conservador contra os avanços das conquistas sociais que prenunciavam a entrada do povo brasileiro na arena política e eleitoral, no contexto da guerra fria.
Mas é verdade também que na luta contra a Ditadura Militar foi a esquerda e os liberais democratas que levantaram a bandeira do combate à corrupção aliado à luta pela redemocratização do nosso País. Hoje não podemos ficar tímidos em defendermos um Estado republicano e combater a corrupção como pressuposto para a construção de uma nova sociedade e para ajudar a fechar os ralos por onde se esvai a fazenda pública.
Neste momento a operação Lava Jato continua ampliando seu raio de ação para indiciar e punir os culpados de corrupção. É verdade também que a atuação do juiz Sérgio Moro, ao fazer selfies com a elite do PSDB gera enormes dúvidas sobre a condução deste juiz à frente desta operação. Mas seria neste espaço que os movimentos sociais e os intelectuais progressistas deveriam exigir a ação imparcial do juiz coordenador da operação Lava Jato.
A operação Lava Jato já enquadrou quase todos os dirigentes do PT e boa parte dos caciques do PMDB. Todos sabem que Aécio, Serra, Alckmin e outros dirigentes tucanos já foram citados pelos delatores no curso da operação Lava Jato. Creio que a estratégia mais correta seria exigir o aprofundamento da operação Lava Jato e que não venha a existir qualquer tipo de proteção institucional aos denunciados.
Uma das questões centrais que não vejo debatido pelos intelectuais progressista é o seguinte: qual o papel do desequilíbrio das contas públicas nos rumos dos atuais acontecimentos e qual foi o papel do governo Dilma nestes eventos? Em que grau o escândalo da Petrobrás comprometeu a credibilidade da presidente no episódio que gerou o impeachment? Qual o papel de certos dirigentes petistas para que o governo Dilma chegasse ao fim?
Não adianta acharmos que o povo foi manipulado pela Rede Globo. É certo que esta rede de televisão jogou um papel importante em correlacionar crise econômica aguda e o petrolão como a causa de todos os males em curso. Mas é correto constatarmos também, que houve um consenso contingente da maior parte da sociedade contra o governo Dilma e que esta grande parcela da sociedade exigiu poderosamente a saída da presidente.
Portanto, o evento golpista só foi possível depois que os eventos massivos advindos das ruas fizeram o vice presidente da república cair no cantilena golpista da oposição, mas precisamente PSDB/DEM/. Este foi o fator político decisivo para que a presidente Dilma visse sua base parlamentar no senado e na câmara erodir.
Mas, PMDB, PSDB e DEM esperavam e ainda esperam que a operação Lava Jato seja contida para que seu projeto de poder se estabeleça e venha a se consagrar nas eleições de 2018. Parece que a operação Lava Jato poderá também engolir estes três partidos golpistas. Mas para que a operação Lava Jato prossiga, e aja de forma imparcial é necessário que a sociedade civil organizada, a esquerda independente e os meios de comunicação republicanos atuem para que o Brasil, em que pese os custos econômicos desta crise política, venha a punir todos aqueles que expropriaram os cofres públicos e que a democracia venha a se fortalecer.