Sou herdeiro dos velhos tempos em que se atuava na política embalado por um projeto político de sociedade orientado por uma ideologia de transformação social. Passados 33 anos, desde o fim da União Soviética e de seus satélites do leste europeu, vejo como a derrota política e ideológica do socialismo real impactou a vida da juventude e das utopias de transformação social.
O sonho de grande parte da sociedade emergente a partir da revolução francesa e das revoltas proletárias do século XIX, que eram embalados pela busca de uma sociedade socialmente igual e humanamente diferente foi soterrado pela experiência do socialismo real no leste europeu e na Ásia.
Das críticas às oligarquias, ditaduras, eliminação em massa e democracias excludentes de natureza capitalista, assistimos ditaduras, totalitarismos, torturas, eliminação em massas nas sociedades do socialismo real, em especial na Rússia, na China e na Coréia do Norte. E para nossa desventura, ainda assistimos capitalismos dos tipos: selvagem, inclusivo e escandinavo, enquanto no mundo dos países do socialismo real, não assistimos nenhum país com direito civil e nenhum modelo de sociedade como as dos países baixos no capitalismo domesticado.
O resultado é que hoje, a juventude que sempre foi a base social das grandes utopias políticas e sociais nos séculos XIX e XX, hoje parece viver a depressão da ausência de uma “ideologia” transformadora para viver. Os partidos políticos de massa à direita ou à esquerda, hoje cumprem uma missão funcional no sistema eleitoral e partidários, qual seja: recrutamento político, ponte entre sociedade civil e estado e mobilizadores eleitorais.
No contexto das primeiras duas décadas do século XXI vemos os partidos de esquerda se transformarem em administradores medíocres do sistema político onde estão inseridos, tendo como proposta mais ousada a inclusão social através da expansão da empregabilidade, nem sequer conseguem distribuir renda, num contexto de parlamentos ocupados, em 70% por forças de direita, em suas diferentes matizes.
Do ponto de vista ético e moral direita e esquerda são confundidas pelo eleitorado, uma vez que todos os grandes partidos brasileiros já passaram por escândalo envolvendo corrupção, nepotismo e incompetência na gestão de governo. Nenhum governo central fez políticas diferenciadas para a transformação política, ético, moral da sociedade.
Olhando o governo central do Brasil, não consigo ver iniciativa de transformação social nos aspectos, políticos, ético-moral. Perguntas que continuam no ar: como, a partir de governos municipais, estaduais e federal pode-se construir uma cidadania participativa? Como podemos formar uma sociedade res publicana a partir dos comportamentos dos representantes políticos e sociais? Como realizar grandes debates que sejam contemporâneos com a sociedade emergente do século XXI, a exemplo de questões em que ficamos na defensiva, frente ao populismo de extrema direita como: valores bíblicos, dos costumes do passado e de novas configurações familiares?
O governo atual do Pará é um bom paradigma para percebermos como se comporta um governo que visa fazer um bom governo, mantendo maioria parlamentar, obtendo boa avaliação popular e buscando acumular vitórias eleitorais consecutivas para seu partido e grupo político.
Qualquer governo tradicional, que visa manter o status kuo, no contexto da democracia, quando realiza governo medianos consegue sucesso realizando obras como: construção de redes de esgoto e macrodrenagem, fazendo a manutenção e construindo estradas e ferrovias, construindo portos e aeroportos, induzindo a emergência de novos empreendedores para a geração de emprego e renda e mantendo respirando as redes de educação, saúde, assistência social e segurança.
Governos que obtém notas a partir de 5, numa escala de 1 a 10, tem grandes chances de reeleição, caso consigam articular grandes coalizões eleitorais e de governo e que transforma o poder legislativo em sócio do orçamento público, claro, desde que tenha uma competente máquina de comunicação, no contexto, particular do Brasil. Muita gente não consegue nem fazer a máquina pública funcionar e é derrotado, isto acontece tanto na direita como na esquerda.
Governar com competência dentro de um sistema político, se competência entendermos como a capacidade de pagar os custos fixos de governo e fazer investimento a partir de articulação com outros entes federativos, no máximo dá popularidade ao governante incumbente e controle político de governo de forma sucessiva, mas nunca significará uma ação de transformação social rumo à uma sociedade res publicana, participativa e que vise a redistribuição de renda e a superação da super concentração de renda no Brasil.
Quando falo em sociedade republicana estou falando de uma sociedade que entenda que a coisa pública é construindo com o recurso em forma de impostos que todos pagam, de forma direta ou indireta. Estou dizendo também, que a consciência republicana começa a partir da escola de ensino fundamental, onde a noção de repulsa ao roubo do dinheiro pública comece desde a tenra idade.
Quando falo em sociedade participativa estou dizendo que o transformador social na direção de governos, aproveita o orçamento público para politizar o eleitor mediano, que é aquele cidadão comum, a ter uma percepção mais ampla dos bens públicos a partir da discussão das receitas, despesas e investimentos de forma concreta, a partir da discussão das prioridades de aplicação dos recursos públicos na saúde, educação, obras públicas e até nas autarquias, como nas universidades públicas. Aí se formaria, de fato cidadãos.
Quando falo em transformação ético-moral laica, digo que é preciso criar uma rede de instituições públicas e privadas e do terceiro setor, que envolva intelectuais, meios de comunicação de massas, livrarias, artistas, poetas e mídias sociais nos debates sobre temas que afligem parte da sociedade atual, e que precisam ser enfrentado, em nome dos direitos humanos, de forma pública e fora de contextos eleitorais como: aborto, eutanásia, misoginia, famílias LGBTs, patriarcalismo e feminicídio.
É preciso aprofundar o debate sobre a enorme importância para as liberdades públicas que foi a conquista, a partir da revolução protestante de Lutero, da separação entre Estado e religião. É preciso que evitemos que ressurja na política e na sociedade o sectarismo provocado pela entrada na política e nas disputas das instituições sociais, das diversas denominações religiosas. Muitos púlpitos religiosos, têm se transformado, em período eleitoral, em tribuna para a realização de campanha eleitoral.
Na minha percepção, governos que só fazem buscar a boa gestão para conquistar avaliação popular positiva visando a manutenção do poder político, é no máximo bom gerente da máquina política e administrativa, não representa nenhuma ação estratégica para a transformação social.
Lutar pela transformação social, a partir de governos significa orientar políticas públicas para envolver a sociedade na participação política. Construir políticas educacionais que visem republicanizar as crianças desde o ensino fundamental, significa ter políticas culturais, artísticas e musicais dentro de cada escola da rede pública. Significa tomar a iniciativa de criar um grande movimento científico e cultural para enfrentar os grandes debates colocados pela sociedade emergente e que tem sido hegemonizado pelos setores conservadores da sociedade.
Governo da transformação social seria radicalmente transparente, não roubaria e nem deixaria roubar. Pregaria abertamente para o Brasil e para países emergentes e pobres a impossibilidade social de políticas do liberalismo econômico num contexto onde 70% da população é pobre ou muito pobre e não tem como arcar com custos de saúde, educação transporte, água potável, habitação, previdência e alimentação.
Sociedade do liberalismo econômico só pode se estabelecer em sociedade com pelo menos 70% de classes médias e onde a pobreza é residual, onde a grande maioria pode pagar pelos equipamentos sociais como saúde, educação, previdência, transporte, água potável e habitação. Com certeza este debate deveria ser travado fora de períodos eleitorais.
Note bem, tudo que falei, significa realizar as bandeiras da revolução francesa e no máximo da social democracia europeia. Só para lembrarmos, 10% da população brasileira se apropria de 50% da renda nacional, enquanto 90% fica com outros 50%, o resultado? 70% do eleitorado é pobre ou muito pobre. Este é o terreno fértil para que o poder econômico e administrativo forme uma gigantesca rede clientelista e que elege 70% de parlamentares de direita e centro na câmara dos deputados do Brasil. O parlamento é imagem invertida da sociedade brasileira. A desfuncionalidade social do parlamento brasileiro é filha da gigantesca assimetria econômica brasileira.