1-Há muito os partidos de esquerda têm perdido espaço nos poderes executivo e legislativo na região norte do Brasil. Para entender este fato, que se agravou com as eleições de 2024, há que se comentar sobre quatro hipóteses com poderes explicativos, quais são: a miséria orçamentária municipal, a baixa capilaridade municipal da esquerda, novas regras para competição proporcional e o poder dos deputados federais e senadores, a partir do orçamento impositivo e das emendas pix.
2-Desde os o império, passando pela República Velha, grandes autores, em especial Vitor Nunes Leal em “Coronelismo, Enxada e Voto”, vem demonstrando que a miséria orçamentária municipal é a causa estrutura do governismo municipal, traduzindo, é a categoria política que explica o porquê de a grande maioria dos prefeitos ficarem de “joelhos” perante o governo estadual, em busca de investimentos municipais.
3-Passados 94 anos, desde o fim da República dos Coronéis, o financiamento municipal e suas receitas próprias têm sido insuficientes para arcar com as despesas fixas, variáveis e com investimentos capazes de transformar a realidade municipal num espaço próspero, embalado por uma cidadania que disponha de saneamento básico, emprego e renda advindos do mercado empresarial local, enfim, mesmo após a constituição de 1988, a participação municipal no bolo tributário nacional não ultrapassou os 18%. Nos Estados Unidos-EUA, a participação municipal no bolo tributário era de 52% em 1902.
4-Em outras palavras, com a dependência orçamentária municipal, em 95% dos municípios paraenses, exceção feita aos municípios auto suficientes, nos polos de investimentos minerário, hidroelétrico e do agronegócio, existe a dependência estrutural pela busca de recursos estaduais, federais ou internacionais para a realizações de obras estruturantes como: saneamento básico, ferrovias, rodovias, hidrovias, dragagem e construção de portos com capacidade exportadora.
5-Neste contexto orçamentários os municípios nortistas, e os paraenses em particulares, herdaram uma sociedade, onde a metade da população não possui renda declarada e vive de bicos, trabalhos informais e programas sociais do governo federal, sem saneamento básico e escassa água potável e em insegurança habitacional. A outra 40% da população depende dos empregos terceirizados, de prestadoras de serviços de asseio, conservação e segurança. prestados à prefeitura, governo do estado e governo federal, enquanto 10% são funcionários efetivos do governo nas três esferas: municipal, estadual e federal, acrescido pelos aposentados e pensionistas.
6-Este desenho da situação sócio econômica terrível de 95% dos habitantes municipais, transforma os empregos públicos na espinha dorsal da empregabilidade ou da sub empregabilidade municipal. Este é o cenário ideal para as trocas políticas assimétricas, mais conhecida como clientelismo, assim expressa: quem recebe favores de seu patrono político não tem como retribuir este favor e como pagamento deste, aliena sua vontade política e oferece como “pagamento” sua lealdade política, assim vem funcionando a política eleitoral nos municípios paupérrimos do Pará e do norte do Brasil.
7-Mas não se sintam menores vivendo em um estado ou região de segunda categoria, porque de fato sempre fomos tratados de forma secundária pelo governo federal, mas não devemos esquecer que na Inglaterra, há 150 anos atrás, o voto local era semelhante à nossa realidade eleitoral. Esta situação só se altera com a chegada do desenvolvimento no espaço municipal, com base nas micro, pequena, média e grande indústria, gerando uma sociedade civil autônoma em relação ao poder político.
8-No contexto da pobreza orçamentária municipal nortista e paraense, o poder local, vem sendo ocupados a séculos pelo rodízio do familismo nos municípios, mais largamente no nordeste paraense e pelos grupos econômicos da corporação empresarial e do agronegócio no sul, sudeste e oeste paraense. Os partidos nestes municípios não passam de uma ponte onde a sociedade civil patrimonialista, em sua maioria, chega ao comando do poder executivo municipal e financia o acesso de maiorias legislativas na Câmara dos Vereadores.
9-Um exemplo típico de como estes grupos econômicos e seus agentes patrimonializam governos municipais, poderemos observar nos municípios com PIBs, proporcionalmente maiores do que Belém, e cuja, pequena cidade, governada há muitos anos por estes grupos, apresentam perfil social, demográficos e urbano de causar penúrias.
10-Normalmente os vereadores eleitos no espaço municipal transformam as câmaras de vereadores em departamento do poder executivo municipal. Os acordos patrimonialistas fazem com que os prefeitos controlem as câmaras de vereadores, Juiz de Comarca, promotor e transforma o município onde a res pública (coisa pública) não passe de uma ficção teórica.
11- É de inegável constatação de que no norte do Brasil, e em particular no Pará, as eleições de 2024 marcaram um enorme declínio dos partidos de esquerda nos governos municipais e com baixa presença no poder legislativo dos municípios paraenses, só para citar um exemplo, o PT, já esteve instalado em 27 prefeituras municipais, e hoje ocupa apenas duas prefeituras no Pará.
12-É notória a dificuldade da esquerda paraense em implantar partidos de base municipal com capacidade competitiva. Um dos locais em que o PT enfrenta enorme dificuldade de implantação é na região metropolitana de Belém. Se na capital e região está difícil se implantar, imaginem no resto do estado. O familismo hegemônico municipal, tem seu poder ampliado, através de orçamento extra municipal, a partir de concertações com governo estadual, ministérios federais, deputados estaduais, federais e senadores.
13-Enfim, o familismo municipal governante ou de oposição tem grandes articulações federal, estadual e controla muitos nichos eleitorais no espaço local, que, situados em municípios de baixo poder orçamentário, minam qualquer capacidade de implantação da esquerda, apenas baseada em programa político, ideológico ou econômico. O que vale na hora de instalar um grupo local competitivo, é: qual o recurso de poder que o partido oferece na hora do recrutamento e formação de leites local. Podemos afirmar que no espaço local nortista e paraense, o que prevalece é a barganha na hora do recrutamento de elites, diminuindo em muito a capacidade de implantação de partidos de esquerda neste espaço territorial.
14-Em 2024, nas eleições municipais observou-se reeleição de 82% dos prefeitos que tentaram a reeleição, normalmente, nas décadas anteriores a reeleição ficava no patamar de 50%. Algo aconteceu de extraordinário para que esta realidade eleitoral emergisse no espaço municipal em 2024. Eu chamaria atenção para três variáveis que devem ser testadas em pesquisas empíricas:
15-Os políticos locais e sua liderança partidária estadual, começaram a dominar com destreza as regras eleitorais para eleições executivas e parlamentares, especialmente, as novíssimas regras, qual sejam: em 98% dos municípios nortistas e paraense as eleições executivas são decididas em turno único e estes políticos, que são incumbentes hoje, articularam enormes coligações eleitorais, garantindo centenas de candidatos a vereadores, como puxadores de voto para prefeito, a este movimento estes prefeitos incumbentes construíram maioria parlamentares fundados no patrimonialismo, construíram relações prioritárias com deputado governista estadual e com deputados federais e senadores e ampliaram sua capacidade de realizações.
16-Prefeitos experts no uso das regras eleitorais proporcionais priorizam três ou quatro partidos e formaram chapas competitivas elegendo, já no primeiro momento mais de 50% dos vereadores, no contexto da proibição de coligações em eleições proporcionais. Depois de eleitos, chamam outros vereadores para uma coalisão de governo e chegam a ter o controle de 80% da base parlamentar.
17-Este contexto político e eleitoral de 2024 encontrou um novo momento do poder orçamentários dos deputados federais. Quem estuda o poder local, sabe que a conexão prioritária dos deputados federais e senadores incumbentes são com prefeitos incumbentes ou com ex-prefeitos que têm poder eleitoral constatável.
18-Estes deputados federais ou senadores que são depositários do orçamento impositivo que lhes garantem orçamento milionário anual, estão mais poderosos, do ponto orçamentário, com o advento das emendas do relator, também conhecidas como emendas secretas ou emendas pix. Estas emendas duplicaram o poder de investimento dos deputados federais e senadores de cada estado.
19-Os fatores como emenda impositiva e emenda pix parecem ter uma correlação positiva com o desempenho surpreendente nas eleições paraenses nas eleições de 2024, relacionados com a reeleição de 82% dos prefeitos e no quase desaparecimento da esquerda do espaço municipal. Caso esteja correta o pressuposto de que a conexão prioritária de deputados federais e senadores, são com prefeitos incumbentes, então esta é uma boa hipótese explicativa a ser testada.
20-Este encadeamento de ideias a partir da realidade municipal dos municípios nortistas, em especial dos paraenses, deixa muito claro de que a direita, o centro e a extrema direita tiveram a fortuna ou sorte de disputar as eleições locais de 2024 no contexto das novas regras eleitorais. Isto posto, acredito que prefeitos e vereadores, em conexão com deputados e senadores incumbentes, que sejam ciosos de cuidarem manter suas conexões eleitorais tenderão a construir uma carreira política duradoura e as reeleições de vereadores no espaço locam, também tenderão a aumentar sua proporção percentual nas próximas eleições, caso sejam priorizados pelo prefeito incumbente.
21-Grandes cientistas políticos afirmam que um dos critérios para se medir o enraizamento da democracia em um país é a presença de partidos de esquerda no espaço municipal. Caso este pensamento tenha base na realidade, então o enraizamento, político, cultural e doutrinário da democracia e da res pública, ainda passam longe do solo nortista e paraense.