No curso da história brasileira, grandes pensadores como Joaquim Nabuco e Raymundo Faoro refletiram sobre os rumos da construção do estado Nacional. Na mente destes grandes intelectuais estava a percepção objetiva do perfil de sociedade como a inglesa, americana, espanhola e portuguesa.

Para estes autores os males de nosso fraco desenvolvimento econômico advinha do modelo de Estado aqui implantado, que se materializou como um clone do Estado patrimonialista português, ou seja, o modelo de Estado teria transformado nossa nascente burguesia em  sua sócia menor. Este Estado ibérico, empresário e dono dos meios de produção estratégico para a economia, que teria despotencializado a emergência, entre nós, dos agentes do mercado.

Claro, toda esta visão baseada no esplendor do crescimento econômico, tecnológico e militar de  Estados como o americano e o inglês. Então o diagnóstico era claro, precisa-se desmontar o gigante  leviatã e dar passagem ao Estado mínimo. O caminho apontava claramente no sentido de produzir reformas liberalizantes no sentido de retirar o Estado da economia e da produção de gastos sociais como política pública universalizante.

Passados cinco séculos de nossa história, consolidou-se no Brasil uma sociedade que caminhou em sentido diverso do modelo americanista. Por aqui, todos os segmentos da indústria pesada foram encubados a partir de políticas estatais. O ensino superior de qualidade cristalizou-se a partir das instituições públicas. A infraestrutura de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias só foram viabilizados devido as iniciativas de políticas de Estado.

E principalmente, o mundo do trabalho se estruturou em todas as unidades federativas do Brasil a partir da intervenção estatal direta ou indireta, ou através de incentivos fiscais e creditícios por parte do aparelho de Estado ao setor privado. O governo militar ao estatizar toda a dívida externa do setor privado acabou por ser o patrocinador de todo o investimento industrial privado. E por último, na década de 1990 o governo federal repassou ao setor privado grande parte do parque industrial nacional a preços vis. Portanto, no Brasil o Estado induziu, in totum, a emergência da grande  burguesia brasileira.

Parto destes pressupostos para discutir o lugar estratégico, do emprego público, da previdência social e da Consolidação das Leis Trabalhistas-CLT na estruturação do mundo do trabalho no Brasil. Não adianta discutir um dever ser ultra liberal como se propõe o governo Temer. O que interessa é entender hoje, qual o papel do emprego público, das esferas de governo, das empresas fundacionais e autárquicas e dos programas sociais nas estruturação do mundo do trabalho no Brasil.

Alguém tem a menor dúvida de que dos 5.600 municípios do Brasil, pelo menos 4 mil destes, dependem centralmente dos repasses constitucionais para sobreviver? Que a base econômica destes municípios se traduz na agricultura de subsistência, no emprego público e terceirizado, na aposentadoria estatizada como a previdência social, no seguro desemprego e nos programas sociais como: bolsa família e seguro defeso? E que toda a economia nestes 4 mil municípios gira em torno de da renda oriunda do setor público?

Portanto, no Brasil podemos afirmar que é o Estado que articula economicamente a sociedade. Que é exatamente o oposto de Estado liberais, como o americano ou o Inglês, onde o mercado articula a sociedade. Caso este meu pressuposto esteja correto, podemos dizer que qualquer desarticulação afoita das instituições do Estado  brasileiro pode gerar uma ampla desarticulação do mundo do trabalho com repercussões imprevisíveis para toda a sociedade.

Imaginemos hoje, se um trabalhador se aposentar após 49 anos de trabalho ou 75 anos de idade, qual o efeito dominó em pelo menos 25 estados da federação e em 4 mil municípios? Se a base empregatícia nestes municípios advém do setor público de forma direta, ou indireta, através de empresas terceirizadas ou que fazem contrato de prestação de serviços e obras? Haja vista que não existe economia privada independente da esfera pública nestes 4 mil municípios?

Estes jovens, provavelmente chegarão aos 45 anos órfãos de oportunidades de trabalho. Quais as consequências sociais da triplicação do desemprego? Hoje, apenas com os cortes que Temer tem feito nos programas sociais como bolsa família, seguro defeso e direitos sociais, as economias dos municípios do norte do Brasil estão em estado de depressão.  A economia está em frangalhos. Creio que se este projeto reformista do qual o governo Temer é preposto se materializar teremos consequências terríveis para a vida de milhões de pessoas em nosso país.

Vou mais longe, se formos colocar na ponta da caneta os números de empregos gerados, hoje, a partir deste modelo de Estado ibérico que herdamos, eu diria, que temos mais de 10 milhões de funcionários municipais, outros milhões de terceirizados a partir da máquina municipal e outros milhares empregados em empresas que trabalham em obras públicas. Pensemos esta mesma lógica para os empregos diretos e indiretos gerados pelos governos estaduais e pelo governo da União.

Lembremos, dos 13 milhões de aposentados da previdência social e  de outros milhões de aposentados pelo Regime Jurídico único do setor federal, estadual e municipal. Sem esquecer da população de milhões de pessoas incorporadas pelo Bolsa Família, Seguro Defeso. Quantos trabalhadores terceirizados  existem que prestam serviços de vigilância, asseio, conservação e de motoristas nas esferas municipais, estaduais e federal?

Creio que podemos pensar que 2/3 da mão de obra ativa no Brasil depende das instituições públicas direta e indiretamente. Portanto, discutir reforma da previdência ou  abrir a possibilidade de ampliação da jornada de trabalho, precisa estar embasado nesta constatação objetiva da composição do mundo do trabalho no Brasil.

 Gostaria muito que o déficit da previdência fosse enfrentado imediatamente. Mas esta vontade não pode ser concretizada no curto e médio prazo. Este déficit deve ser enfrentado de forma inter geracional. Ou seja, no curso de pelo menos 25 anos. Por que? porque qualquer medida apressada pode vir a desestruturar o mundo do trabalho para a próxima geração.

Creio que o tesouro público deve arcar com este déficit, o ideal é que fosse criado a CPMF vinculado ao financiamento do rombo da previdência. Paralelamente a isto, poderiam ser corrigidos distorções salariais no setor público. Hoje 30% dos servidores públicos concentram 70% da massa salarial. Impedir salários acima do teto constitucional. Cortar radicalmente os excessivos proventos dos gabinetes de deputados e senadores. Fechar as torneiras da corrupção.

O ideal é que as instituições políticas do poder executivo e legislativo no Brasil produzissem políticas industriais em direção ao centro-oeste, nordeste e norte, e que estas políticas migrassem em direção aos municípios, de acordo com suas vocações econômicas. O nascimento de um mundo do trabalho em base municipal, fundado no setor privado, na micro, pequena, média e grande indústria, geraria uma sociedade local que não dependesse do emprego público em suas diversas matizes.

Esta sociedade civil municipal não tutelada pelos empregos públicos, por certo seria menos dependentes dos políticos e, como tal, melhoraria a qualidade do eleitor e da representação política, seja no poder legislativo e executivo. Aí poderíamos pensar em controle social das políticas públicas em base municipais e estaduais. Notem, esta é uma perspectiva liberal e democrática. Nada que uma revolução burguesa não tenha produzido na Europa. Mudaria a estrutura do mundo do trabalho que se deslocaria do Estado para o mercado.

Transformar a base do mundo do trabalho no Brasil deveria ser um consenso entre todos. Mas como expus, é uma meta de longuíssimo prazo, talvez centenária, se iniciássemos imediatamente. Mas o Pará e o Brasil ainda não pariram uma geração de políticos estadistas. Nossa esquerda passou 13 anos no governo central e não enfrentou temas estruturantes para esta nova realidade como as reformas tributárias e um novo pacto federativo.

Um pacto federativo que deslocasse recursos e políticas públicas no sentido do sul e sudeste em direção ao norte, nordeste e centro-oeste. E uma reforma tributária que deslocasse a base tributária em três sentidos: da União em direção aos municípios e dos impostos que se desconcentrasse dos salários e fosse em direção à fortuna. E da tributação indireta em direção à tributação direta.

Portanto, os arautos da política ultraliberal que vem sendo proposta pelo governo Temer devem ficar com a barba de molho. Não tenho nenhum preconceito contra uma sociedade e um mundo do trabalho centrado no mercado, a questão é que, a transição de nossa sociedade de origem ibérica em direção à uma sociedade centrada no mercado prescinde de mudanças que podem demorar muitas décadas ou século.

Tenho dito.

 

 

 

 

 

 

 

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