Estou assistindo atentamente as notícias sobre a crise fiscal no Brasil, a crise política e ao mesmo tempo, categorias judiciárias exigindo aumento salarial em padrões dos ministros do Supremo Tribunal Federal.


         Parece que existe de um lado a desigualdade da sociedade brasileira e de outro o seu inimigo: o Estado. É como se existisse um saco sem fundo de recursos orçamentários a serem distribuídos dentre todos os segmentos sociais.

         Temos um paradoxo na sociedade brasileira. O Estado foi capturado pelas elites  portuguesas na colonização. Entre elite brasileira e portuguesa entre 1808 e 1831. E finalmente as elites  agrárias brasileiras passam a controlar o espaço territorial da economia entre 1831 e 1930. Ou seja, temos  como herança um Estado patrimonializado pelas elites econômicas, burocráticas e políticas.

          Parece que todos querem continuar a “mamar” no Estado. Como se o Estado fosse uma panacéia para todas as deficiências econômicas dos grupos sociais. Até para festas folclóricas  querem que o Estado seja o principal financiador. Já assisti grupos culturais ameaçarem suspender  “festa tradicionais” se o Estado não financiar os gastos.

          A concentração de renda herdada de 400 anos de controle oligárquico do Estado, dá-se de duas formas bem comprovadas. A primeira através da concentração de renda, onde uma classe de 10% de pessoas controlam 50% da renda nacional. A segunda forma se dá dentro do serviço público: 30% de servidores controlam 70% dos recursos destinados aos salários  desta categoria.

         Esta  diferenciação intracategoria dentro do serviço, se materializa através das  lutas salariais presentes: enquanto as categorias fiscais e judiciárias querem equiparação salarial aos ministros do supremo, os plebeus do serviço público estão em greve há três meses buscando atingir um piso salarial equivalente a  5 salários mínimos.

        Mas o centro do meu debate é a ética pública dos grupos de pressão em relação ao Estado Nacional. Como falamos, o Estado brasileiro foi usado durante 400 anos, até 1930 para pilhar os mais pobres da sociedade brasileira em favor dos mais ricos. Por certo a reinserção do Estado em defesa da sociedade deverá consumir pelo menos mais 100 anos.

        O moderno Estado brasileiro iniciou-se em 1930. Mesmo a corrupção estando presente na realidade do Estado brasileiro em todas as suas fases, podemos afirmar que nos últimos 85 anos o Estado Nacional vem resgatando parte de sua dívida com a parcela mais pobre da sociedade brasileira. Diferentemente do início do século 20, onde tínhamos 90% de analfabetos, hoje temos tão somente 8%. E se formos fazer o balanço na  infraestrutura industrial, saúde, distribuição de renda, perspectiva de vida, saneamento, comunicação, sem dúvida o Brasil deu um salto enorme nos últimos 85 anos.

         Neste momento vivemos uma enorme crise econômica, fiscal, política e de deslegitimação do Partido governante, o PT e, da presidente Dilma, em função do escândalo de corrupção que se sintetiza na crise de governabilidade congressual, inflação em ascensão, recessão econômica e na crise fiscal do Estado. Os gastos estão superando a receita: podemos afirmar que temos um consenso contigente da sociedade contra o governo. O  governo e o Estado brasileiro estão diante de uma tsunami e precisará de  enorme temperança das elites políticas para superá-la.

            Enquanto a elite de governo enfrenta este inferno “astral”  os grupos de pressão e a câmara dos deputados  só pensam  no seu umbigo. O governo precisa de um ajuste fiscal e os deputados  vêm dinamitando  as iniciativas de austeridade governamental. O governo está sem caixa e os movimentos de servidores públicos, tanto a elite do funcionalismo como os “plebeus” pressionam  por aumento salarial.

            A crise do governo de Goulart entre 1963 e 1965  foi muito semelhante. O governo estava em crise econômica, social  e os movimentos civis e militares faziam greves por aumento salarial e Jango acabou aumentando salários na tentativa de conquistar apoio sindical urbano, camponês e no movimento estudantil: todos sabemos do desfecho desta crise.

           Tanto agora, como no governo Jango, o congresso bloqueou o poder executivo, ou seja, causou paralisia de governo. As lutas ganharam as ruas e, nas ruas “leva” quem tem a força. Ao final, o congresso foi fechado e todas as lideranças sindicais e estudantis foram exterminadas politicamente pela Ditadura Militar.

             Quando leio os escritos de Imanuel  Kant  vejo que nenhum grupo social ou político ostenta uma ética pública. Ninguém pensa na Democracia e no Estado de Direito Democrático. Todos esperam recursos intermináveis do Estado. O Estado parece um ente extra social. Parece que no Brasil, a sociedade civil não compreende o Estado como a organização mais complexa e útil para a viabilização das ações coletivas essenciais.

             Vejo gente jogando lixo nas vias públicas para o “governo” limpar. Vejo estudantes em escolas públicas destruírem o prédio, carteiras  e banheiros porque acham que  é o governo que tem que consertá-los. Os moradores sequer limpam a frente de suas casas. Moradores entopem os canais de esgoto  e depois, nas enchentes, bloqueiam as vias públicas e culpam o governo pelo alagamento de suas ruas e casas.

              Mas voltando à crise política em curso no Brasil, eu diria que uma crise econômica corrói de imediato a popularidade do governante. Mas quando esta crise coincide com escândalos de corrupção de monta inimaginável, a população passa a desejar o fim deste governo. A oposição então, como seria de se esperar, de qualquer oposição, busca amplificar o desgaste do governo.

                Qual o desfecho da crise? Não sei, não tenho bola de cristal. Sei tão somente que só um pacto político salva o governo e o ajuste fiscal. Como a oposição não topa este pacto, somente a sociedade brasileira  poderá sinalizar para o tipo de desfecho desta crise em curso. Povo nas ruas contra ou a favor do governo podem definir este conflito.

                 Os delatores da operação Lava a Jato já apontam a conexão do financiamento de todas as campanhas do PT, PMDB e PSDB com o propinoduto da Petrobrás e do BNDES, Creio que com este viés não “impedem” a presidente, porque teriam de suprimir todos os grandes partidos brasileiros.  Creio que a oposição e Eduardo cunha deverão centrar suas ações oposicionistas no crime de prevaricação da presidente, caso as “pedaladas” fiscais sejam  comprovadas. Aí Dilma seria impedida por crime de responsabilidade.

                  Caso o congresso opte pela abertura do processo de impeachment o Brasil deverá passar os próximos meses em enorme crise social e política. Não está descartado confronto armado entre situação e oposição, como nos tempos de Vargas onde comunistas e fascistas se matavam nas ruas do Rio de Janeiro. Mas o maior prejuízo à sociedade brasileira será a quebra fiscal do estado e a presença de uma recessão duradoura, acompanhada de inflação e desemprego, ou seja: o Brasil retornaria aos anos de 1980.

                 Uma solução inesperada seria a renúncia de Dilma e a ascensão do vice presidente Temer num inédito pacto político nacional tendo em mente o equilíbrio fiscal, econômico e a preservação do Estado Democrático de Direito.

                  Será que Dilma e o PT tomariam esta posição republicana, de forma unilateral, como se fossem se comportar como anjos num território habitado por demônios?

                  É esperar para ver.

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